Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha
bela chácara de Catumbi. Tinha
uns sessenta e quatro
anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía
cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é
que não houve cartas nem anúncios. Acrescento que chovia - peneirava - uma chuvinha miúda, triste
e constante, tão constante e tão triste,
que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta
engenhosa ideia no discurso que proferiu
à beira de minha cova: -
"Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza
parece estar chorando
a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do
céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor
crua e má
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo, Abril Cultural, 1978. P. 15.
O trecho que você acabou ler é o primeiro capítulo da obra literária do Realismo “Memórias Póstumas de Brás Cubas, do autor Machado de Assis. A narrativa machadiana nessa obra obedece à tradição da narrativa linear, de acordo com a passagem do tempo no relógio, pela qual o leitor observa a evolução da vida do personagem, desde o nascimento, infância até a velhice, passando antes pela juventude, idade madura e morte. Partindo desses pressupostos, responda as questões a seguir:
1. Explique por que se pode dizer que esse trecho é metalinguístico.
2. Copie um trecho onde se encontre uma “ironia”.
3. Em que pessoa é narrado o texto, ou seja, que tipo de narrador há na obra?
4. Ao dizer “Onze amigos!”, o narrador mostra que é pequeno o número de pessoas com que se pode realmente contar. Isso revela uma certa atitude do narrador diante da amizade e das relações interpessoais. Que atitude é essa?
5. Qual a diferença que se pode estabelecer entre “autor defunto” e “defunto autor”?
6. Pesquise em dicionários ou na internet os significados das seguintes palavras:
a) campa:
b) galante:
c) introito:
d) pentateuco:
e) Expirar:
f) funéreo:
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Olá, gabarito por favor!
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