OS FILHOS DOS
DESCASADOS
As pessoas que
vivem no reino encantado do casamento ajustado às vezes não fazem a menor
ideia do que se passa do outro lado da cerca, no conturbado e imprevisível
mundo dos descasados.
Veja, por
exemplo, o caso de Alexandre P., advogado, morador da Barra da Tijuca. Alexandre
se considera hoje um descasado convicto, após duas experiências conjugais.
Com a primeira mulher teve uma filha, Patrícia, nove anos; com a segunda,
outra filha, Paula, sete anos. Alexandre dá um duro dos diabos para ajudar a
manter e educar as duas meninas. Quando chega os fins de semana em que fica
com as filhas, passa as manhãs de sábado nos congestionamentos. Uma delas
mora na Voluntários da Pátria; a outra, na Rua das Laranjeiras. Depois vai apanhar
a namorada, com a filha, na Farme, de Amoedo. Frequentemente ainda tem que
pegar as duas filhas de sua irmã, também descasada, na Tijuca. Alexandre vem
pensando seriamente em comprar um ônibus escolar.
Alexandre termina esses fins de semana mais grogue do que boxeadores depois de um direto no queixo. Não faz muito tempo, um domingo á noite, na
hora da entrega, Alexandre trocou as filhas: entregou a filha da segunda
mulher na casa da primeira e a filha da primeira na casa da segunda.
Contribuiu para o fato uma dessas coincidências que a gente pensa só existir
em novelas: ambas as ex-mulheres moram num 401.
As duas meninas
dormiam no banco de trás quando Alexandre parou o carro diante do prédio na
Voluntários. Pegou uma das filhas no colo e chamou o porteiro: “Por favor,
entregue ela no 401”. O porteiro segurou-a pela mão e foi caminhando com ela,
que esfregava os olhinhos e dormia sobre as próprias pernas. Alexandre
arrancou com o carro em direção à Rua das Laranjeiras. Ao estacionar viu sua
ex-primeira mulher parada na portaria. Desligando o carro, Alexandre sorriu e
brincou com ela:
- Tá esperando aí
por quê? Não confia mais em mim? Abriu a porta, pegou a menina e foi levando no
colo.
- Toma! Toma logo
sua filha!
A mulher chegou a
estender os braços, mas logo recuou:
- Minha filha?
Que negócio é esse? Não é a Patrícia. Onde você
arranjou essa menina?
Alexandre
levou um susto. Quase deixou a garota despencar dos seus braços. A ex-mulher sempre
pronta a se agarrar aos menores pretextos para esculhambar com o ex-marido
abriu sua metralhadora giratória:
- Você é mesmo um
pai desnaturado! Não sei como pude me casar com você! Imagina! Não reconhece
a própria filha! – e começou a berrar na calçada – Cadê a Patrícia? Eu quero
a minha filha! Quero minha filha!
Alexandre
mantinha a calma e procurava explicar o engano à ex-mulher, que já ensaiava
um escândalo na portaria. Algumas pessoas se debruçavam nas janelas do
prédio. Muitos passantes paravam para ver o desenrolar da cena.
- Não precisa gritar,
Priscila – pedia ele. - Eu só troquei as meninas...
A mulher beirava
o descontrole:
- Só??? Você
troca as próprias filhas e diz “só”? – e dirigia-se ao porteiro: - O que um
homem desses não é capaz de fazer, han? Um homem que troca as filhas! O
senhor já viu alguém assim? – Dirigindo-se a Alexandre: - Você é pior que o
Mengele! É um perigo para a sociedade!
A outra filha
acordou e começou a chorar dizendo que queria ir para casa. Alexandre não
sabia o que fazer. Estava vendo a hora que iria ser tascado na calçada.
Tentava tranquilizar a mulher.
- Sua filha está
bem. Ela está bem. Nós vamos busca-la. Deixei-a na casa de Maria Luísa.
Era o que faltava
para ela explodir. As duas ex-mulheres se detestavam:
- O quê? Você está
dizendo que deixou minha filha com aquela mulherzinha vulgar?
- Ex-mulher – foi
a única coisa que Alexandre conseguiu dizer.
Seja o que for!
Minha filha na casa daquela mulher que não vale nada... ordinária, uma
piranha maconheira! A essa altura já deu um baseado para minha filha. Vou
chamar a polícia!
- Fique calma,
Priscila. Eu vou buscá-la!
A mulher berrou
que iria junto. Alexandre nem se lembra como deu a partida no carro com
aquela mulher matraqueando nos seus ouvidos: “Vou ter que desinfetar minha
filha!”. Não chegou a avançar dois quarteirões. Deu a volta.
- O que houve
agora? Não! – a mulher tentou segurar o volante. – Vamos logo. Quanto menos
tempo a Patrícia passar com aquela mulher, melhor... tá voltando por que?
Alexandre estava
completamente zonzo.
- Você fica aí
falando sem parar... esqueci minha filha lá na portaria.
Maria Luísa, a
segunda ex-mulher, ligava sem parar para a casa de Alexandre. Ela estranhou
abrir a porta e ver aquela menina ser entregue pelo porteiro como se fosse
uma encomenda. Logo, porém, tudo foi esclarecido. Sim, mas agora Maria Luísa
queria sua filha de volta. Mais que isso: queria despachar a filha da outra,
que chegou num momento bastante impróprio. Maria Luísa estava deitada com o
atual namorado, Geraldo, enquanto a filha dele, oito anos, dormia no quarto
ao lado. Não é das coisas mais agradáveis ter que suspender as atividades e
ficar fazendo sala para uma intrusa de nove anos. “Onde estará Alexandre com
minha filha? ” disse Maria Luísa mais uma vez o telefone.
- Liga pra casa
da outra ex-mulher – sugeriu Geraldo
A filha de
Geraldão acordou. As duas meninas ficaram brincando na sala. Na rua,
Alexandre ainda estacionava o carro. Priscila foi saltando e se dirigindo ao
porteiro: “Peça para mandarem descer a menina que está lá no 401. Diga que a
mãe dela está aqui”. Alexandre quis pedir ao porteiro para levar a filha de
Maria Luiza.
Os dois
permaneceram aguardando no carro. A mulher falava sem parar: “Torça pra que essa vagabunda devolva minha filha em
bom estado ou subo lá e quebro tudo!”. Logo Priscila
viu através do vidro da portaria, entre plantas, a menina saindo do elevador.
Correu para abraçá-la. Só então percebeu que não era sua filha. Era a filha
do Geraldo. A mãe tinha ficado de passar para apanhá-la.
NOVAES, Carlos
Eduardo. Os filhos dos descasados. In: A
cadeira do dentista e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1999. p.86-89.
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Priscila, sempre pronta para esculhambar com ele
abriu sua metralhadora giratória:
- Você é mesmo um pai desnaturado! Não reconhece
a própria filha!
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Logo Priscila viu
através do vidro da portaria, entre plantas, a menina saindo do elevador.
Correu para abraçá-la. Só então percebeu que não era sua filha. Era a filha
do Geraldo. A mãe tinha ficado de passar para apanhá-la.
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1. C
2. Essa frase usa o tom
de sarcasmo ao chamar o casamento ajustado de “reino encantado”, como se fosse
um conto de fadas, contrastando com o caos da vida dos “descasados”.
3. Trata-se de um
narrador onisciente, que conhece os fatos e o interior das personagens. "Alexandre
estava completamente zonzo."
4. Ao todo, são citadas
seis crianças: Patrícia (filha da primeira ex); Paula (filha da segunda ex); Filha
da namorada atual; Duas sobrinhas (filhas da irmã descasada); Filha do Geraldo
(atual namorado de Maria Luísa.
5. Duas razões que
contribuíram para a trocam das filhas: Exaustão de Alexandre após tantos
deslocamentos e cuidados no fim de semana. Coincidência de ambas as ex-mulheres
morarem em apartamentos 401, o que causou confusão na hora de deixar as filhas.
6. A expressão “abriu
sua metralhadora giratória” foi usada de forma figurada para indicar que
Priscila começou a falar sem parar, criticando e atacando Alexandre
verbalmente. Serve para reforçar a intensidade das palavras e da raiva dela
naquele momento.
7. D
8. O leitor pode deduzir
que a confusão ainda não terminou e que provavelmente mais mal-entendidos estão
por vir, já que Priscila correu para abraçar a filha... e era a criança errada
de novo. Isso reforça o tom cômico e caótico da crônica.
9. As filhas
provavelmente se sentiram confusas, assustadas ou desconfortáveis,
especialmente a que chorou e pediu para ir para casa. A situação mostra como as
crianças são afetadas pela desorganização e conflitos dos adultos.
10. A crônica aborda uma
concepção de família moderna, com pais separados, filhos de diferentes
relações, novas namoradas(os), enteados(as), sobrinhos e uma convivência cheia
de adaptações. O texto mostra uma realidade comum hoje em dia, onde o modelo
tradicional dá lugar a configurações familiares mais diversas e complexas.
kd as respostas
ResponderExcluirOii, poderia disponibilizar o gabarito?
ResponderExcluir1. C
Excluir2. Essa frase usa o tom de sarcasmo ao chamar o casamento ajustado de “reino encantado”, como se fosse um conto de fadas, contrastando com o caos da vida dos “descasados”.
3. Trata-se de um narrador onisciente, que conhece os fatos e o interior das personagens. "Alexandre estava completamente zonzo."
4. Ao todo, são citadas seis crianças: Patrícia (filha da primeira ex); Paula (filha da segunda ex); Filha da namorada atual; Duas sobrinhas (filhas da irmã descasada); Filha do Geraldo (atual namorado de Maria Luísa.
5. Duas razões que contribuíram para a trocam das filhas: Exaustão de Alexandre após tantos deslocamentos e cuidados no fim de semana. Coincidência de ambas as ex-mulheres morarem em apartamentos 401, o que causou confusão na hora de deixar as filhas.
6. A expressão “abriu sua metralhadora giratória” foi usada de forma figurada para indicar que Priscila começou a falar sem parar, criticando e atacando Alexandre verbalmente. Serve para reforçar a intensidade das palavras e da raiva dela naquele momento.
7. D
8. O leitor pode deduzir que a confusão ainda não terminou e que provavelmente mais mal-entendidos estão por vir, já que Priscila correu para abraçar a filha... e era a criança errada de novo. Isso reforça o tom cômico e caótico da crônica.
9. As filhas provavelmente se sentiram confusas, assustadas ou desconfortáveis, especialmente a que chorou e pediu para ir para casa. A situação mostra como as crianças são afetadas pela desorganização e conflitos dos adultos.
10. A crônica aborda uma concepção de família moderna, com pais separados, filhos de diferentes relações, novas namoradas(os), enteados(as), sobrinhos e uma convivência cheia de adaptações. O texto mostra uma realidade comum hoje em dia, onde o modelo tradicional dá lugar a configurações familiares mais diversas e complexas.
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