"Cultura do cancelamento" prejudica famosos e anônimos ao disseminar o julgamento e a intolerância
O
termo vem ganhando força nos últimos anos e se destacou ainda mais desde o
início do BBB 21
Na Era das redes sociais, podemos pensar em uma nova variação: quem
cancela os canceladores? E não é exagero nem alarmismo: é cada vez mais forte a
chamada cultura do cancelamento; em que qualquer deslize, frase infeliz ou erro
honesto pode levar à destruição de reputações ou carreiras construídas ao longo
de anos.
Cada vez mais, vemos celebridades pisando em ovos ao conceder
entrevistas; personalidades cercadas de assessores cujo trabalho é basicamente
evitar que algo repercuta mal na internet; influencers se desculpando, em meio
a lágrimas, por brincadeiras feitas no Twitter ou no Instagram. O BBB 21, atual
edição do Big Brother Brasil, vem sendo chamado de "BBB do
cancelamento" - cancelamento esse que acontece dentro da casa, com cada
grupo de participantes "cancelando" o outro; e fora do reality show,
com as carreiras de alguns dos artistas confinados derretendo sob o escrutínio
do público.
O cancelamento é um movimento coordenado, muito típico das mídias
sociais, justamente pela facilidade e agilidade da disseminação de informação
nas redes - diz Elis Monteiro, especialista em marketing digital e
gerenciamento de crises digitais, professora da FGV, IBMEC e ESPMO. - Esse
movimento quase sempre acaba virando uma bola de neve: em determinado ponto,
muitas das pessoas envolvidas nem sabem como a história começou, o que
desencadeou o cancelamento, mas continuam aquele movimento de ódio. Para elas,
se torna algo até divertido.
Segundo Elis, a rede
mais complicada é o Twitter, por ser a mais ágil, viral e nichada: é mais fácil
que um grupo de pessoas que ama ou odeia alguma coisa ou alguém propague
rapidamente informações - verdadeiras ou falsas - a respeito daquela coisa ou
pessoa. A especialista também comenta a questão do "exposed", que,
nas palavras dela, é "assustador". “No exposed, alguém diz, sem
apresentar provas, que você fez ou faz alguma coisa, e ninguém questiona” - ela
explica. O exposed cria uma onda
assustadora de linchamento, sem a menor chance de defesa.
Sem citar nomes, Elis
conta a história de uma cartunista que, após vencer um concurso na agência onde
trabalhava, foi acusada por um concorrente derrotado de ter atitudes racistas
no dia a dia. O autor do exposed não apresentou provas, mas a artista foi
cancelada nas redes sociais, tendo seu Facebook e Instagram - por meio dos
quais divulgava seu trabalho - deletados, além de ter perdido o emprego na
agência. Meses depois, ao tentar retornar às redes com outro nome, a cartunista
foi descoberta pelos "justiceiros" das redes sociais; e novamente
teve seus perfis apagados.
Segundo a psicóloga
Graziela Judith Bonatti, a cultura do cancelamento deriva da maneira como a
sociedade lida com emoções como medo, tristeza e raiva. “Em geral, essas
emoções são evitadas e negadas; e, quando evitamos ou negamos algo, perdemos a
oportunidade de aprendizado, de ressignificação; ficamos cristalizados e
rígidos em comportamentos que visam a autoproteção” - ela explica. Mas não
podemos sair por aí aniquilando ou cancelando tudo o que é diferente do que
consideramos certo. Esse pensamento dicotômico entre certo e errado, bom e mau,
gera intolerância e desrespeito. Afinal, qual ponto de vista detém todas as
verdades?
Além de fomentar a intolerância, situações ligadas ao cancelamento têm
características perigosas, como a generalização e a falta de contexto: em 2019,
o New York Times produziu um vídeo comparando a cultura do cancelamento a uma
situação irracional de perseguição, em um cenário ambientado na Idade Média. No
vídeo, a vítima é julgada por "ter dito algo ofensivo onze anos
atrás" - uma crítica ao fato de que diversas celebridades já foram canceladas
porque alguém descobriu um post de 2006 contendo alguma declaração
questionável. "Nós somos perfeitos!", declaram os personagens do
vídeo, ao defender seu "direito" de julgar a pessoa a ser cancelada.
Na opinião da
especialista em marketing digital Elis Monteiro, o medo do cancelamento deve
fazer com que os artistas procurem se manter, cada vez mais, dentro de um
discurso ensaiado - e pode até mesmo prejudicar suas obras: ela cita o exemplo
de um jovem escritor, transgênero, que foi cancelado porque o público não
aprovou o final de um de seus livros, em que um personagem gay comete suicídio.
O artista é sempre
visto como influenciador, como alguém que tem que dar o exemplo - ela comenta.
Quando ele não corresponde a essa expectativa, os próprios fãs voltam as costas
para ele. Ele é cancelado por não dizer ou fazer exatamente o que os fãs
esperavam dele. Ele também é cancelado se não disser nada, se não se
posicionar. E agora ele começa a perder o direito de decidir como sua própria
obra vai ser. Quando um artista se sente tolhido por falar algo em sua obra ou
em uma entrevista, o próximo não vai nem se arriscar a falar sobre esse tema; e
assim você vai diminuindo o espaço para debate. Mesmo assim, ela afirma que o
cancelamento costuma ser mais prejudicial no caso dos anônimos; ou dos
influenciadores que estão dando os primeiros passos na carreira.
A Anitta já foi
cancelada umas 60 vezes; ela já aprendeu a lidar com o próprio cancelamento.
Pessoas menos influentes nas redes estão mais suscetíveis a ter suas contas
deletadas de vez. Elas não têm equipes para defendê-las, não têm advogados
caros. Quando você tem um "colchão de proteção" ao seu redor, seu
cancelamento vai ser contornado com mais facilidade.
“Essa cultura reflete o
momento que estamos vivendo na sociedade como um todo” - Elis opina. Estamos
com muita raiva armazenada; com a pandemia, com os problemas políticos que
temos enfrentado desde 2013. Pensando no exemplo da Karol Conká, nós já vimos,
em edições anteriores do BBB, personagens que fizeram coisas tão ruins ou
piores do que as que ela está fazendo, mas parece que agora isso ganha um peso
maior, uma relevância maior. É como se esse momento tão complicado da sociedade
criasse uma necessidade de culpar alguém, de “vilanizar” certas pessoas. O que
é um enorme problema.
(Fonte: Marina Martini Lopes, 21/02/2021, em: https://www.nsctotal.com.br/)
1. Após a leitura do texto I, responda:
a) Segundo o texto, o que é cancelamento?
b) Para o texto, qual o principal meio para disseminar o cancelamento?
c) Para Elis Monteiro, especialista em marketing digital, quem pode sofrer o cancelamento?
d) Conforme o texto, o que pode gerar o cancelamento de alguém?
e) Na sua opinião, quais temas podem gerar mais cancelamento se o sujeito não tiver o devido cuidado com as suas palavras e com as suas atitudes?
2. No trecho:
Meses depois, ao tentar retornar às redes com
outro nome, a cartunista foi descoberta pelos "justiceiros" das
redes sociais; e novamente teve seus perfis apagados. |
O sinal de aspas foi um recurso estilístico utilizado intencionalmente pela autora do texto I para
a) Imprimir um tom irônico aos canceladores.
b)
Incorporar
um citação de um especialista no assunto.
c)
Atribuir
valor positivo aos canceladores.
d)
Esclarecer
um termo científico.
e) Marcar a apropriação de um termo de outra ciência à reportagem.
3. Pelas características do texto lido, que trata sobre a cultura do cancelamento, considera-se que ele se enquadra no gênero:
a)
conto,
pois exibe a história que ocorreu entre Luccas e Karol Conka no BBB.
b)
depoimento,
pois expõe o sofrimento das pessoas canceladas na internet.
c)
reportagem,
pois discute cientificamente o tema cultura do cancelamento.
d)
relato,
pois narra um fato verídico ocorrido em rede nacional.
e) notícia, pois divulga fatos e exemplos sobre o cancelamento.
4.
É comum coexistirem sequências tipológicas em um mesmo
gênero textual. No texto lido, os tipos textuais que se destacam na organização
temática são:
a) descritivo
e argumentativo, pois o enunciador detalha casos de cancelamentos, argumentando
contra a disseminação dessa cultura.
b) dissertativo
e argumentativo, pois o enunciador apresenta seu ponto de vista sobre os
exageros do cancelamento.
c) expositivo
e injuntivo, pois o enunciador fala das consequências do cancelamento e
interage com o leitor a fim de convencê-lo a evitar essa prática.
d) expositivo
e argumentativo, pois o enunciador explica o fenômeno do cancelamento ao mesmo
tempo que tenta levar o leitor a forma uma opinião sobre o assunto.
e) narrativo
e injuntivo, pois o enunciador ensina o interlocutor como evitar a cultura do
cancelamento contando sobre sua própria experiência.
5. No trecho observe a expressão destacada:
Cada vez mais, vemos celebridades pisando
em ovos ao conceder
entrevistas; personalidades cercadas de assessores cujo trabalho é
basicamente evitar que algo repercuta mal na internet; |
As expressões idiomáticas são expressão, frase ou enunciado, que não pode ser interpretada literalmente, sendo entendida na sua totalidade, utilizadas em várias situações da vida. Nesse texto, a autora emprega uma expressão idiomática com a intenção de
a)
criticar
a atitude das celebridades.
b)
enfatizar
o cuidado redobrado no que faz ou no que fala.
c)
legitimar
o direito de livre expressão.
d)
conter
para si as suas opiniões.
e)
condenar
atitudes de cancelamento dos internautas.
6. De acordo com o texto I, uma explicação aceitável para o fenômeno atual do cancelamento nas mídias sociais pode ser:
a)
Porque
os artistas já aprenderam a lidar com o próprio cancelamento.
b) Porque
a sociedade criou a necessidade de descarregar em alguém o ódio que sente
diante dos milhares de problemas que passa em diversos setores.
c) Porque
o artista é sempre visto como influenciador, como alguém que tem que dar o
exemplo.
d)
Porque
o cancelamento acaba se tornando algo divertido.
e) Por causa da facilidade e agilidade da disseminação de informação nas redes.
7. Neologismo é um fenômeno linguístico que consiste
na criação de uma palavra ou expressão nova, ou na atribuição de um novo
sentido a uma palavra já existente. Pode ser fruto de um comportamento
espontâneo, próprio do ser humano e da linguagem, ou artificial, para fins
pejorativos ou não.
(Disponível em: brasilescola.uol.com.br)
Ocorre um exemplo de neologismo no texto em estudo
quando a autora cria a palavra:
a)
vilanizar
b)
tolhido
c)
influencers
d)
alarmismo
e)
ressignificação
8. Os processos de interação comunicativa preveem a presença ativa de múltiplos elementos da comunicação, entre os quais se destacam as funções da linguagem. Nesse texto, a função da linguagem predominante é a
a)
emotiva,
porque a autora expõe os sentimentos de angústia que o cancelamento gera.
b) referencial,
porque o texto informa sobre a origem do cancelamento, suas características e
citando exemplos e especialistas no assunto.
c)
metalinguística,
porque a autora tece comentários sobre a origem do novo significado da palavra
cancelamento.
d)
poética,
porque o texto aborda os elementos estéticos de uma reportagem.
e) apelativa, porque a autora tenta convencer os leitores sobre a aceitarem o seu ponto de vista.
9. No trecho:
com as carreiras
de alguns dos artistas confinados derretendo sob o escrutínio do público. |
Ao escolher o verbo “derreter” no contexto acima, a autora atribuiu mais expressividade às consequências do cancelamento para as famosos. A figura de linguagem presente neste trecho é a:
a)
Antítese
b)
Metonímia
c)
Hipérbole
d)
Metáfora
e)
Prosopopeia
10. Observe o texto II abaixo:
Ao situar a cultura do cancelamento nos tempos atuais, o Texto II é caracterizado por
a) brincar com uma
temática polêmica e atual.
b) ironizar de forma
caricata a política do cancelamento nas mídias digitais.
c) legalizar a cultura do cancelamento
no cenário em todas as esferas sociais.
d) apresentar o papel
importante que os canceladores exercem no meio social.
e) expor a política do
cancelamento como uma tendência que veio para ficar no âmbito social.
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GABARITO OFICIAL:
1.
a) Cancelamento é uma forma de punir as pessoas por causa de alguma fala ou atitude que seja considerada "errada" pelos usuários de redes sociais.
b) São as redes sociais, em especial o Twitter.
c) Todos podem sofrer o cancelamento: anônimos, artistas, celebridades em ascensão.
d) Uma frase preconceituosa ou algum tipo de violência.
e) Racismo, homofobia, gordofobia, xenofobia, falta de humildade etc.
2. A
3. C
4. D
5. B
6. B
7. A
8. B
9. D
10. B
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