Quem sou eu

Minha foto
Remígio-PB, Paraíba, Brazil
Mestre em Letras pela UEPB e professor de Língua Portuguesa do ensino médio em escola de tempo INTEGRAL. Meu interesse com esse espaço é poder divulgar e compartilhar com todas e todos minhas atividades escolares e questões objetivas de português para estudos voltados para concursos públicos e o ENEM.

terça-feira, 16 de maio de 2023

TEXTO: MEMÓRIAS DE UM CASARÃO: UM MONOLÓGO

 Memórias de um casarão: um monólogo

          Vou contar uma história. A minha história. Fui construído no fim do século dezenove. O meu primeiro dono, o Barão de Remigiópolis era muito vaidoso e exigente. Daí ter usado material de primeira qualidade na minha construção. Por exemplo, todo o mármore veio importado da Itália, de Carrara, mais precisamente. As banheiras das oito suítes foram importadas da Inglaterra. E o mobiliário veio do Rio de Janeiro. É de puro jacarandá, cuja madeira foi retirada da mata atlântica. Já os lustres, espelhos e cristais vieram da Bohemia.  As minhas colunas em estilo greco-romano estão presentes em todos os alpendres que me circundam. As portas e as janelas são de puro cedro.

          A mão-de-obra foi de ex-escravos daqui mesmo, da fazenda.  Após a Lei Áurea não ficaram vagando pelas estradas, como andarilhos errantes, sem rumo.  Muito pelo contrário permaneceram aqui, agora na condição de moradores. Foi uma pena a princesa Isabel não ter incluído na lei um artigo que tratasse da Reforma Agrária. No meio dos ex-escravos haviam muitos com habilidades diversas, inclusive pedreiros, marceneiros e artesãos. Sem se falar na maioria agricultores. Um engenheiro francês, vindo da Corte, foi o responsável pelo projeto e execução da obra.

          A biblioteca possui o que há de mais expressivo na literatura brasileira e, quiçá, internacional. A maioria dos membros da família tem o saudável hábito de leitura. Herança que tem passado de geração a geração. Daí a explicação para a realização de pelo menos três saraus literários por ano. Jovens e idosos recitam, cantam e fazem performances baseados em poemas e prosa dos seus autores favoritos. Uma vez por ano realizam a feira literária na sede do município, onde o público dialoga com livreiros expositores e autores de todos os recantos.

          Lembro, com saudades do salão de festas lotado. Casais bailando ao som de valsas de Johann Strauss e Frédéric Chopin pelas mãos do pianista João Carlos Martins.  Inúmeros casamentos tiveram seu começo naquelas noites memoráveis. Mantenho em minha caixa de recordação as grandes festas de ano novo, aniversários, casamentos e batizados. Em mim todas as vozes, bem como as lágrimas dos velórios, começando pelo do barão, em seguida o de sua esposa.

          Mas peço licença para fazer uma confissão: vivo meio tristonho com o momento atual. O mundo está mudando velozmente e as pessoas andam muito ocupadas. Ninguém tem tempo pra nada. Nem para o outro. Cada pessoa, inclusive as crianças, possuem um celular colado no corpo. Tudo    gira em torno da internet que por sua vez aproxima os distantes e separa os próximos.

          Confesso meu lado saudosista. Não adianta negar, não é mesmo? Pois é. Sinto falta de gente, do vozerio que enchia todos os meus cômodos; do barulho da criançada correndo em disparada; das brigas de casais nos casos de ciúme que sempre levavam à separação. A família do meu primeiro dono era enorme. Em torno de vinte pessoas, contando com as crianças. As mucamas davam um duro danado para manter tudo arrumado e todo mundo alimentado. 

          A mesa farta exibia vários tipos de carnes vermelhas e brancas, todas de animais criados e abatidos aqui mesmo. Frutas e hortaliças também eram cultivadas aqui no meu entorno.

          Ficaram famosos os churrascos que aconteciam em feriados e fins de semana. Matava-se um boi, afinal geralmente convidava-se a vizinhança para aqueles momentos de confraternização. É certo que algumas e poucas vezes acontecia que um ou outro se excedia na bebida e as consequências eram sempre as piores. Por exemplo não esqueço o dia em que Jorge assassinou o primo Patrício. Tudo por causa de uma discussão política. Um era monarquista, admirador do imperador Dom Pedro II, enquanto o outro era um fervoroso defensor da república. Conversavam normal e civilizadamente, quando, de repente os ânimos arrefeceram e foi aí que Jorge acertou um tiro no coração de Patrício. Esse crime abalou a família que demorou a se acostumar com a ideia de luto.

          Testemunhei a passagem de seis gerações por este teto. A atual é portanto, a quinta. Contando-se a partir do pioneirismo do Barão de Remigiópolis.

          Outro dia tomei um baita susto. É que chegou aqui um grupo de técnicos que se reuniu com o meu proprietário. Eles eram do Instituto Histórico e Geográfico e a pauta da reunião dizia respeito a mim. De repente ouvi que eles falaram que iam me tombar. Pensei: pronto, vão me demolir!  Eu não sabia o significado de tombamento até que um dos integrantes esclareceu: a partir daquela data eu passaria a ser preservado e que passaria a ser considerado patrimônio nacional na categoria museu.

          Por fim um apelo: quando você passar diante de um casarão abandonado ou preservado, procure ouvir as vozes que outrora enchiam aquele espaço... de vida! Esta é a minha história.   


AUTORFRANCISCO DE ASSIS MELO é graduado em Agronomia e Letras. Tem pós-graduação em Planejamento e Desenvolvimento Rural (UFRS) e em Associativismo/Cooperativismo (UFRPE). Lecionou  em escolas públicas em Remígio, Itaporanga, Patos, e Teixeira, bem como no Colégio Santa Rita, em Areia. Escreveu artigos publicados, como colaborador para os  jornais “Geração”, “O Areiense”,  na revista “Fique sabendo”, tendo também publicado matérias em jornais da capital do estado da Paraíba e em redes sociais. Publicou os seguintes livros:  Moleques do Palma (2007);  O método ITOG e a renda: a experiência do Projeto Cooperar (2012); Vivendo e Aprendendo (2017). A Paraíba na trilha da Coluna Prestes. 

Para contato:

e  Facebook: Francisco Melo.                                                                                                      

Nenhum comentário:

Postar um comentário